Uma das organizadoras do próximo Fórum de Mulheres do CIGRE-Brasil que acontecerá no dia 13 de novembro, durante o XXV SNPTEE, na cidade em que reside, Belo Horizonte-MG, a engenheira Janaína Gomes da Costa é testemunha da evolução recente do mercado de trabalho no setor elétrico. Formada em 2000, em um cenário econômico que se assemelha ao atual, Janaína viu nas portas fechadas de um mercado de trabalho em retração, a oportunidade de seguir a carreira acadêmica e aprofundar a intensa experiência que já tinha experimentado na época da graduação.
Dessa experiência, nascem os já quatorze anos de dedicação à docência superior, aliada às atividades técnicas que desenvolverá, primeiro, na Toshiba Transformadores e, depois, na CEMIG, onde desenvolve trabalhos importantes na expansão do sistema de transmissão de energia.
Ao longo desses anos, a aproximação com o CIGRE, seus grupos de trabalho, comitês de estudos e eventos tem sido crescente. E sua participação na comissão organizadora do próximo Fórum de Mulheres, ao lado de profissionais como Patrícia Teixeira Leite Asano é, como se vê na entrevista que nos concedeu, bastante promissora.
Pode nos contar como se deu a sua escolha e sua formação em Engenharia Elétrica?
Acredito que, mais que uma escolha, a engenharia elétrica está no meu DNA. Meu pai, Jayme Romão, é Engenheiro Eletricista e minha mãe, Maria Imaculada, professora que, após meu nascimento, dedicou-se a minha educação e a de minhas duas irmãs mais novas: Viviane, PhD em Farmácia/Química e Joyce, PhD em Engenharia de Alimentos. Sabiamente meus pais não influenciaram diretamente as minhas escolhas, mas reconheço que indiretamente, acompanhando a rotina do meu pai no exercício da engenharia, sua atuação exemplar e dedicada, certamente sua trajetória me influenciou.
Freqüentei o curso técnico no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), entre 1992 e 1994. Naquela ocasião, a seleção era realizada dentro da área de Eletroeletrônica, ao final do primeiro ano. Tínhamos a opção de escolher entre três cursos: Informática, Eletrônica ou Eletrotécnica. Apesar da minha intenção inicial de escolher Eletrotécnica, optei pelo curso de Eletrônica, por influência de amigos e pelo glamour que o curso “novo e tecnológico” apresentava. Ao final do curso, tive a certeza de que eu deveria ir para a área de potência e prestei o vestibular para Engenharia Elétrica.
Em 1995, iniciei o curso de Engenharia Elétrica na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e, ao longo dos cinco anos da graduação me apaixonei pelo curso e pela universidade. Além das atividades curriculares, prestei monitoria, fui bolsista de iniciação científica e diretora do Diretório Acadêmico de Engenharia Elétrica. Praticamente morava na universidade. Formei-me em 2000 como a melhor aluna da turma e recebendo a premiação de destaque acadêmico.
No último ano da graduação fiz estágio na Toshiba Transformadores onde aprendi muito com excelentes profissionais que tiveram um papel importante na minha formação. Em 2000, ano em que me formei, o mercado de trabalho não era promissor e o país passava, como nos dias atuais, por mais uma considerável redução de ofertas de trabalho, assim não fui contratada na ocasião. O que parecia para mim o final de uma possibilidade de inserção no mercado de trabalho foi um acontecimento que, no futuro abriu muitas portas. Um mês após me formar fui aprovada no Programa de Pós-graduação da PUC-MG com bolsa integral da CAPES que arcava com os custos da mensalidade do programa, além de prover uma remuneração mensal. O mestrado abriu portas para possibilidades que eu não imaginava que seriam tão importantes na minha trajetória.
Em 2003, um mês após finalizar meu mestrado e 3 anos após finalizar meu estágio, fui contratada como engenheira pela Toshiba Transformadores, onde trabalhei durante 4 anos com projeto de transformadores de distribuição e reguladores de tensão. Em 2007, após a aprovação no concurso público, iniciei a minha trajetória na CEMIG GT, empresa que sempre admirei seja pela elevada competência do corpo técnico, seja por permitir a atuação em diversos segmentos do setor elétrico. Hoje coordeno a equipe de equipamentos da Gerência de Projetos que é responsável pela especificação e aprovisionamento de equipamentos para os empreendimentos da expansão do sistema de transmissão. Na CEMIG GT tenho muito orgulho de ter a oportunidade de trabalhar com profissionais que são destaque no setor elétrico, o que permite um processo constante de aprendizado técnico e humano.
Paralelamente, iniciei em 2005 minhas atividades profissionais acadêmicas como professora do curso de graduação da PUC Minas. Nesses quatorze anos de docência, descobri que sou apaixonada pela sala de aula, apesar de toda timidez que muitas vezes foi a barreira para que eu me descobrisse também professora. Neste período, fui duas vezes homenageada com a escolha para patronesse da turma de formandos. Cada convite me traz uma enorme felicidade e a sensação de “dever cumprido”. Entretanto, tenho sempre a certeza de que ensino é uma troca, que há muito o que dedicar e aprender neste processo mágico que é a docência.
Seu trabalho como professora da PUC Minas está aliado à função que vem desenvolvendo na CEMIG, na coordenação técnica da equipe de engenharia de equipamentos da expansão do sistema de transmissão. Que projetos profissionais destacaria?
Meu trabalho como professora está diretamente aliado à minha função na CEMIG uma vez que trabalho com equipamentos e na PUC Minas sou titular de duas disciplinas diretamente associadas: Equipamentos Elétricos e Materiais Elétricos. Como tenho atividades profissionais consigo levar para sala de aula alguns exemplos práticos e fazer um elo entre teoria e prática. De forma complementar, minhas atividades acadêmicas me ajudam e incentivam a busca de constante atualização e aprofundamento teórico, igualmente importantes nas minhas atividades profissionais.
Destacaria na minha carreira acadêmica a conclusão do mestrado e a minha primeira participação no SNPTEE em 2003. O primeiro porque abriu portas para a minha paixão pela docência e o segundo pela primeira apresentação em um seminário com grande importância e com público conceituado. O trabalho intitulado “Avaliação do Impacto Econômico do Afundamento de Tensão na Indústria” foi uma experiência marcante por ser a primeira. Nesta ocasião iniciei a minha admiração pelas atividades do CIGRE.
Na minha carreira profissional tenho alguns trabalhos em que tive atuação protagonista juntamente com profissionais da CEMIG GT, entre eles, destaco:
- 2008, a participação da equipe para elaboração de propostas técnicas para o Leilão das Linhas de Transmissão em CC do Complexo Madeira;
- 2009, o acompanhamento dos ensaios de tipo disjuntor 145kV, na fábrica Areva em Kassel – Alemanha;
- 2011 a 2015, a especificação do compensador estático de reativos 500kV -200/+300MVAr – no Sudeste, em Bom Despacho-MG, além da aprovação da documentação técnica dos equipamentos e do acompanhamento do seu fornecimento;
- 2018, o acompanhamento dos ensaios de tipo seccionador 145kV - laboratório Xihari - Xi An, China;
- finalmente, destaco a elaboração/aprovação de especificação técnica e acompanhamento do fornecimento dos transformadores de potência, totalizando mais de 7 GVA em capacidade transformadora, para expansão e melhoria do sistema de transmissão da CEMIG GT.
Considero gratificante e muito relevante as atuações em grupos de trabalho. Atualmente coordeno um grupo de trabalho no Comitê de Estudos A2 do CIGRE, o GT A2.09 com o título “Requisitos Técnicos e ‘Melhores Práticas’ para Especificação de Transformadores de Potência e Reatores de Derivação”. Este GT iniciou as suas atividades em dezembro de 2016 e tem previsão de conclusão dos trabalhos no segundo semestre de 2020.
Ainda no CIGRE, participei em abril de 2019, da primeira reunião do grupo de estudos internacional WG A2 60 Dynamic Thermal Behaviour of Power Transformers. Essa participação no CIGRE é muito gratificante, uma vez que permite a troca de conhecimentos entre agentes nacionais e internacionais permitindo um constante crescimento profissional e pessoal. Devido a minha iniciação profissional com transformadores, não consigo esconder dos meus alunos e colegas de trabalho, minha preferência por esses equipamentos: os transformadores.
Um outro grupo de trabalho em que participo ativamente é a Comissão de Estudos CE 14 03 da ABNT, responsável pela revisão do conjunto de normas aplicáveis aos transformadores de potência (NBR ABNT 5356).
Ao longo da sua carreira acadêmica e profissional, como tem percebido a presença feminina no setor elétrico brasileiro de forma geral?
Tenho percebido um aumento da presença feminina no setor elétrico brasileiro. Tanto em quantidade, como, principalmente, em qualidade. Temos proporcionalmente um elevado número de engenheiras que se destacam no nosso setor, o que se torna mais significativo quando consideramos que as ciências exatas ainda não atraem um grande número de mulheres.
Acredito que esta preferência está de uma certa forma associada a toda uma formação cultural que gradativamente vem sendo transformada. As turmas de engenharia para as quais leciono continuam majoritariamente compostas por homens, entretanto percebo que qualitativamente não há diferenças.
Durante a minha trajetória profissional, foram poucas, bem poucas as vezes que tive a impressão de perder alguma oportunidade ou não ter um reconhecimento técnico devido ao meu gênero. Na CEMIG GT esta diferença nunca foi perceptível e tenho como referência algumas colegas engenheiras de quem tenho muito orgulho de conhecer e de compartilhar o ambiente de trabalho.
Membro do Comitê Organizador do II Fórum de Mulheres do CIGRE-Brasil que acontecerá no XXV SNPTEE, quais as suas expectativas com relação a esta segunda edição do Fórum?
Sempre tive, desde meus primeiros contatos com os trabalhos desenvolvidos pelo CIGRE-Brasil, ainda na graduação, uma grande admiração pela organização e pelo seu profissionalismo. Seja na organização dos eventos, nos trabalhos dos Comitês de Estudos e, principalmente, por viabilizar o intercâmbio técnico. Durante o curso de Engenharia, já percebia o SNPTEE como um evento de elevado grau técnico: o melhor evento do setor elétrico brasileiro. A cada participação me impressiono com a qualidade dos trabalhos e com a perfeição da organização. Permite a sensação de “mergulhar tecnicamente no setor elétrico”, na medida em que todas as áreas de conhecimento estão presentes e pelo fato de que, em sua grandiosidade, do início ao fim do evento, há sempre relevantes apresentações e produtivas discussões técnicas.
Recebi o convite para participar do Fórum de Mulheres com muita alegria, principalmente, por ser um desafio. Considero muito tênue a linha que separa o preconceito e as diferenças individuais. Acredito que existem diferenças entre homens e mulheres, entre diferentes homens e entre diferentes mulheres. Cada ser tem uma personalidade, habilidades e características próprias que foram adquiridas ao longo da sua trajetória individual. Estou em constante aprendizado e busca do entendimento e da aceitação das diferenças, em busca da empatia. Já o preconceito que permeia alguns ambientes, na minha opinião é prejudicial tanto para as pessoas como para as instituições.
Participei do I Fórum de Mulheres do CIGRE-Brasil no XXIV SNPTEE e foi uma experiência muito gratificante uma vez que foi um evento na medida, com depoimentos motivadores de grandes profissionais, como o da Eng. Angélica da Costa Rocha, profissional que admiro pelo profissionalismo, conhecimento e dedicação à engenharia elétrica. Na minha opinião o evento cumpriu a difícil tarefa de destacar a participação feminina de forma engajada, sutil e profissional. Assim, a minha expectativa para a próxima edição é muito positiva.