O Presente e a História Recente da Transmissão pelo olhar de Mário Miranda – Entrevista
Formado em Engenharia Elétrica pela UNIFEI (a Universidade Federal de Itajubá), com especialização em Administração pela USP, Mário Miranda começou a sua carreira na Eletronorte, onde ficou de 1977, o ano em que se formou até 2013.
Nesses 36 anos Mário Miranda pode participou da mudança do perfil energético da região amazônica “do problema termelétrico regional à solução energética nacional”.
Poderia nos contar como foi sua experiência na Eletronorte e como daquele contexto percebeu as mudanças do setor elétrico brasileiro?
À época as grandes empresas se dirigiam às Universidades para selecionar os futuros engenheiros e, em contrapartida, estes também tinham a faculdade de escolha, era um casamento de mútua atração. Dentre as opções de melhores, decidi pela Eletronorte, face estar em fase inicial de constituição, com futuro promissor em ambiente desafiador e foi exatamente o que ocorreu. Comecei na primeira hidrelétrica da Amazônia, a UHE Coaracy Nunes e fui também o 1º gerente regional. Depois, na UHE Tucuruí, coordenei o comissionamento da usina e da Subestação de 500 kV.
Após 10 anos de campo na operação, fui
para a engenharia gerenciar os projetos básicos e executivos de UHE e, depois, dediquei-me aos estudos de inventário e de viabilidade, em que se somaram mais de 30 mil MW e, em que se destacam os estudos de viabilidade da UHE Belo Monte e do Projeto Básico da segunda etapa da UHE Tucuruí.
Antes de ser superintendente de expansão da geração, passei pelo departamento de obras de geração e de transmissão e, depois, coordenei o primeiro contrato de produtor independente da Eletrobrás: a UTE Pantanal de 480 MW em Cuiabá com gasoduto associado desde a Bolívia. O planejamento à época era mais previsível, dado que a expansão era por hidroeletricidade, o que facilitava a consequente conexão da transmissão a ela associada.
Na Eletronorte, dos iniciais 70 MW e 110 km de LT dos anos 70, passou-se para os atuais 10.000 MW e cerca de 9.000 km de LT. Orgulha-me ter participado da geração de profissionais que alterou o perfil da Amazônia do problema termelétrico regional à solução energética nacional.
Em 1999 assumi a então Diretoria de Política Energética do Ministério de Minas e Energia-MME, cujas atribuições foram incorporadas à Secretaria de Planejamento. A incumbência era absorver o planejamento decenal e executar o Plano Decenal 2010, onde foi criado o CCPE-Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos, dado que o Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos-GCPS coordenado pela Eletrobras fora transferido para o MME. Depois, era preciso transferir a responsabilidade para o ente planejador a ser criado (que se deu com a EPE-Empresa de Pesquisa Energética).
Nesta época, tivemos que implementar o Plano Prioritário de Termelétricas-PPT para aproveitar a disponibilidade do gás natural proveniente da Bolívia – via Gasbol – e o existente no Nordeste, uma vez que o programa de concessões de hidrelétricas não havia alcançado o montante necessário, naquele ambiente modificado com o novo arcabouço legal-regulatório e com a criação da ANEEL, além dos reservatórios estarem deplecionando com a economia ascendente. Os resultados não vieram a tempo, por incompreensões de governança, o que concorreu para o racionamento de 20% da carga entre 2002-2003, dada hidrologia desfavorável.
Neste cenário, representei o MME no Comitê Técnico da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica e, depois, com a criação da Comercializadora de Energia Emergencial – CBEE, fui responsável por alocar 2.100 MW de termelétricas emergenciais em 6 meses, vindas de toda a parte do mundo e instaladas principalmente na região nordeste, cujo racionamento perdurou até 2004.
Em 2014, o senhor assume a presidência da ABRATE – Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia -, cargo que exerce até hoje. Na sua opinião qual a principal missão da ABRATE, no atual contexto?
A associação passou por mudanças estruturais em 2014 mediante a aprovação de seu novo estatuto e a implantação de melhores práticas de governança corporativa, além da decisão de mudança de sua sede para Brasília, dada a necessidade de atuar junto ao poder concedente e regulatório.
Passamos a implementar as novas diretivas da Assembleia Geral com a finalidade de agregar valor para as associadas e com atuação proativa. Nosso foco era ser reconhecido como agente institucional protagonista na promoção da sustentabilidade, do desenvolvimento e da atratividade do setor de transmissão de energia elétrica. Os resultados que temos alcançado nos encorajam na perseguição deste objetivo. Em 2014 eram 9 associadas, hoje contamos com
17. O planejamento estratégico estabelecido com visão empresarial uniu todas as associadas independente das suas composições acionárias.
Além disso, temos atuado fortemente em todo o ambiente da concessão de serviços públicos de energia elétrica, tais como o Poder Concedente, o Congresso Nacional, os órgãos ONS, EPE e IBAMA e a Agência Reguladora. Nosso foco é a promoção da melhoria contínua do serviço prestado, visamos a eficiência operacional das empresas concessionárias, contamos com o indicador contratual de disponibilidade do serviço de 99,72% global, envolvendo LT e SE com os ancilares.
Como o senhor avalia o desenvolvimento da política coordenada pela ANEEL de Leilões de Transmissão para as empresas (estatais) representadas pela ABRATE? Em que medida a atual política tem representado conquistas importantes? Quais seriam os desafios a serem superados?
A ABRATE tem participado ativamente do ambiente de concessão de serviços públicos de transmissão de energia elétrica, com a realização dos leilões de transmissão. Temos apresentado contribuição desde a fase de planejamento da expansão e de Autorização dos Reforços.
Os resultados atuais têm demonstrado que o segmento de transmissão é caso de sucesso, exclusive o período decorrido da publicação da MP nº 579 que deu causa a perda da modicidade tarifária para o consumidor e de valor para as transmissoras. O Plano Decenal aponta a necessidade de aporte de R$ 110 bilhões, e isto ocorre com atração de investidores sob ambiente de segurança jurídica e com regras sustentáveis tais que permitam a concorrência e, assim, se transformam na porta de entrada da modicidade tarifária.
Finalmente, a recente alteração regulatória do banco de preços de referência deverá alterar o ambiente de disputa com os fortes deságios até então constatados.
O senhor enxerga em entidades como o CIGRÉ potenciais colaboradores para o aprimoramento do setor, no âmbito da Transmissão de Energia?
O CIGRE é uma entidade que congrega as melhores mentes e que tem produzido exemplarmente produtos nos ambientes da geração e da transmissão. É o melhor exemplo de que a engenharia não guarda fronteiras. Tive a oportunidade de ser secretário em um dos comitês de estudos contando com fabricantes na busca incessante de melhores soluções técnicas aplicáveis. Temos nos valido destes estudos e trabalhos para contribuir nos ambientes regulatórios, para até mesmo avaliar as melhores técnicas e práticas internacionais a serem seguidas.