Desde 1981 empolgada com a magia que está por trás dos sistemas de energia, a engenheira eletricista, Maria Alzira Noli Silveira, é uma das especialistas de peso que faz parte do time de profissionais brasileiros que recebem as honras por colegas internacionais. Além disso, atuante nas atividades voluntárias do CIGRE-Brasil desde 1996 e uma das representantes de gênero, que compartilhou um pouco da sua trajetória e desafios em equilibrar os papéis sociais de mãe, profissional e estudante.
Convidamos a todas e todos para conferir mais um dos nossos bate-papo, com histórias inspiradoras - que fazem valer a nossa missão.
CB: O que motivou a sua escolha e desde quando pensou em integrar o Setor EletroEnergético?
MN: Sempre pensei em ser engenheira. A engenharia elétrica veio ainda no curso pré-vestibular quando tive contato com algumas palestras de profissionais de várias áreas da engenharia. Quando entrei na PUC-RJ, onde me formei, já entrei para o curso de engenharia elétrica. Ao longo do ciclo básico essa vontade só se consolidou e, no ciclo profissional, quando tive contato com as disciplinas que envolvem análise de redes elétricas a paixão foi imediata. O sistema elétrico é o maior e um dos sistemas mais complexos já construídos e foi nomeado a maior conquista de engenharia do século 20 pela Academia Nacional de Engenharia dos EUA. É um sistema incrível que se estende de fontes distantes e chega até às casas e indústrias, fornecendo às pessoas um bem essencial - ELETRICIDADE. E faz isso a cada minuto de cada dia, durante todo o ano.
A eletricidade é a força vital da economia moderna. Mas a eletricidade que alimenta sua lâmpada, simplesmente apertando um interruptor, começa a vários quilômetros de distância e faz uma jornada na velocidade da luz através de linhas de alta tensão, antes de chegar à sua casa. A magia de trabalhar com esse sistema tão fantástico sempre esteve presente em minha vida profissional.
Quando comecei a fazer estágio na operação tempo real de FURNAS, percebi que estava na área certa. Entretanto, também percebi que gostaria de trabalhar com análise de redes elétricas, com estudos elétricos, seja na área de planejamento da expansão ou da operação e aí começou a busca por este sonho. Começou lá, em 1981, a minha empolgação com o meu trabalho que segue até hoje.
CB: Quais os desafios encontrados ao longo da sua trajetória e o que a fez prosseguir?
MN: Encontrei alguns desafios, não muitos, principalmente por ser uma profissão masculina. Fui estagiária durante um mês no centro regional de Jacarepaguá onde não tinha banheiro para mulheres!! A primeira vez que tentei trocar de área do Tempo real para o setor de planejamento da operação, me foi dita a seguinte frase: “não queremos mulher aqui”. Era no início dos anos 80 e foi uma atitude pessoal e isolada. Não era uma política da empresa, onde tinha um número considerável de engenheiras. Entretanto, eu não desisti de buscar uma área dentro da empresa que me tornasse feliz na profissão e que fosse possível eu fazer mestrado. E consegui. Em 1986 passei a trabalhar no planejamento da expansão de FURNAS e já em 1987 estava fazendo as disciplinas para o mestrado também na PUC-RJ. Em seguida, em 1990, veio o desafio da maternidade que me fez interromper por um tempo o mestrado. Não foi fácil conciliar todos os papéis, mas acho que tenho conseguido equilibrar todos os pratos...Terminei o mestrado na UNIFEI em 1998 quando meus filhos tinham 8 e 6 anos respectivamente.
CB: Sabedores dos esforços dedicados a conciliar família e trabalho, o que mais lhe ajudou neste sentido?
MN: Além da parceria na tarefa de educar os filhos com o meu marido, eu sou uma pessoa de muita sorte e tive muita ajuda dos meus pais com relação aos meus filhos que me deu um grande suporte para me dedicar à minha profissão. Além dessa grande ajuda, sempre tentei manter o foco que estava em uma profissão que demandava muito estudo e dedicação.
CB: Que pessoas e por qual motivo foram de fundamental importância ao longo de sua trajetória profissional?
MN: Ao longo da minha carreira várias pessoas tiveram grande importância. Desde alguns professores na PUC-RJ como o professor Armando Leite que foi meu orientador de mestrado a diversos profissionais que tive a honra de trabalhar ao longo desses 41 anos de formada. Em FURNAS foram vários que me inspiraram tanto no período da operação como no Planejamento, como Marcio Sereno, Fred Pena Pereira e outros. Além disso, a participação, como representante de FURNAS, em grupos de estudo da ELETROBRAS também me colocou em contato com grandes profissionais de diversas empresas do Brasil. Nestes caminhos que comecei a estudar Confiabilidade por incentivo do João Carlos de Oliveira Mello, na época no CEPEL, que foi meu coorientador na minha dissertação de mestrado nesta área.
Outra grande virada na minha carreira foi quando foi criada a EPE e tive a honra de ser convidada pelo então superintendente de transmissão da EPE Paulo Cesar Vaz Esmeraldo a formar o quadro do planejamento da transmissão. Ele também foi um grande inspirador e amigo e tornou este período da EPE muito relevante com a participação em grandes estudos de expansão da transmissão. Foi um período maravilhoso e tive a oportunidade de trabalhar junto com três engenheiras que são todas referências na minha carreira além de grandes amigas – Jurema Ludwig (já falecida), Maria de Fátima Gama e Edna Araujo.
A última grande mudança na carreira foi a ida para o ONS quando saí do planejamento da expansão para o planejamento da operação. Nesta etapa reencontrei colegas da PUC e com uma engenheira bem mais jovem que eu e que tinha sido uma excelente estagiária e depois engenheira e amiga na época do planejamento de FURNAS. A Sumara Duarte Ticom, minha atual gerente executiva, é também uma grande inspiração para mim nestes últimos anos da minha carreira. É muito bom ver uma mulher desempenhando tão bem a sua função e com muita competência e elegância.
Maria Alzira apresentando o trabalho Brazil's Embedded HVDC Systems -
Operation Planning Challenges na Sessão Poster do SC C2 Paris Session 2022
CB: O que lhe estimulou a participar do CIGRE-Brasil e qual a sua atuação dentro desta organização?
MN: A participação no CIGRE teve dois padrinhos. Inicialmente comecei atuando em um grupo de estudos na área de confiabilidade por convite do João Carlos de Oliveira Mello ainda antes da restruturação dos comitês de estudo.
Em 2008, o meu então gerente na EPE Paulo Cesar Vaz Esmeraldo me convidou para ser a coordenadora nacional do CE C1 onde fiquei até 2012. Durante este período foi organizado um evento de renováveis pelo comitê e foi realizado uma reunião em 2011 em Recife com seminário e tutorial em conjunto com o C2 e C4.
Atualmente sou membro do CE C2 e participei da última bienal como autora de paper deste comitê.
Apresentação da Maria Alzira no SC C2 Group Discussion Meeting,
durante a Paris Session 2022 sobre o tema Representing Solar PV Generation in Operation Planning Studies
CB: Quais conselhos você daria para jovens estudantes e profissionais mulheres que também desejam trilhar esta carreira?
MN: Que vale muito a pena lutar pelos seus sonhos. Esta é uma carreira apaixonante e com várias áreas de atividades. Todas com grandes desafios. Acho que o caminho para a mulher já está praticamente aberto. Não vejo mais descriminações, nem mesmo as “brandas”. Mas isso não significa que será fácil. Estamos falando da vida que escolhemos para nós. Ser feliz no trabalho significa ser feliz um grande pedaço do tempo de nossas vidas. Portanto, é fundamental buscar uma atividade que gostamos de fazer para o nosso sustento e manter sempre o entusiasmo pela profissão.